domingo, abril 22, 2007

realidade*: perturbação cotidiana

"- Era melhor ter pago o Tiririca pra fazer um show!"

Acreditem, essa foi a frase mais perturbadora que ouvi nos últimos dias. Pior que qualquer insulto ou declaração política fantasiosa.

Quinta-feira fui à primeira eliminatória de um festival de música instrumental brasileira e fiquei chocada com a recepção do público. E antes de propor-me a calúnia de julgar tal comportamento, devo dizer que a qualidade musical do evento não deixou nem um pouco a desejar, foi de fato um belo espetáculo.

Já um tanto quanto abalada com o noticiário sangrento, algum pormenor ético me tira do sério e faz pensar que só posso viver num mundo paralelo.

A paciência deve ter mesmo virado artigo de luxo e ninguém consegue mais aproveitar o prazer de se dispor a conhecer coisas novas. E quem se dispõe, troca isso por uma presença na lista de chamada e uma voz a mais a gritar sem saber o real motivo.

Pois bem, aquele cara sentado na poltrona de trás, que preferia o Tiririca, certamente não faz questão nenhuma de ser respeitado por quem quer que seja, porque também não faz o menor esforço para respeitar os outros, e o pior, talvez ele nem saiba disso e sua manifestação tenha sido um ato corriqueiro e irrelevante a seu ver.

Aliás, por falar em ato inconsciente compulsório, decidiram que eu apoiaria uma greve...que coisa não...pelo menos fizeram a gentileza de me avisar.

Deixo aqui meu apelo aos atuais "conservadores chatos" que como eu prezam pelo mínimo de respeito das pessoas para as pessoas, pelo diálogo coerente e pela educação.











* Em uma semana em que os jornais espirraram sangue e as pessoas papo furado e desrespeito, quem sabe aquele consolo traduzido pelas notas do violão e por aquela presença não são mais que suficientes para fazer deitar ao travesseiro alguma tranqüilidade...

quinta-feira, abril 12, 2007

delírio alheio*: A Clarisse disse...

Olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de nós.

Não temos amado, acima de todas as coisas.
Não temos aceito o que não entendemos porque não queremos passar por tolos.
Temos amontoado coisas, coisas e coisas, mas não temos um ao outro.
Não temos nenhuma alegria que já não esteja catalogada.
Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.
Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo.
Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda.
Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes.
Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios.
Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa.
Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada.
Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.
Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz.
Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.
Temos chamado de fraqueza a nossa candura.
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.
E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.

Clarisse Lispector







Acho que é bom pensar nessas coisas de vez enquando para fingir que o orgulho e a vaidade não existem. Para se aproveitar os momentos na íntegra para que se tenha a impressão de que nada faltou ou foi deixado para trás.


* Texto para aquelas pessoas que fizeram da minha sexta-feira de aniversário uma das melhores que já tive!

sábado, abril 07, 2007

realidade*: Ficção

Domingo passado li um artigo cujo título referia-se à proximidade e talvez à "mistura" de ficção e realidade presentes em um livro recém lançado, que por sinal não me chamou atenção pois não lembro nem de quem era e nem seu título ou sobre o que se tratava. O fato é que só de bater o olho no título do artigo já me pus a pensar em algo ocorrido por estes dias durante a leitura de um livro.

Tratava-se de uma publicação específica para a área de arquitetura e urbanismo, mas que vale a pena ser lido por aqueles que se interessam pela realidade da cidade de São Paulo, pois descreve um desses acontecimentos absurdos acerca da desapropriação e dos privilégios concedidos a quem tem mais dinheiro, como se este fosse o determinante para a quantificação dos direitos de cada cidadão.

Entendo que há muitos casos em que a realidade e a ficção podem ser aliadas, por exemplo, para a elaboração de soluções criativas, ou para o estímulo da imaginação. Mas por outro lado, este par pode tornar-se assustador e, no mínimo, algo que faz nascer a indignação. E este foi o caso.

Não é nem um pouco agradável dar-se conta de que se está diante de uma obra verídica quando se tem a sensação de ler uma obra de Saramago tamanha a falta de humanidade de algumas pessoas com outras e até mesmo de algumas pessoas com lugares.

Não pretendo discutir aqui o tema específico do livro, apenas registrar o quão perturbador pode ser abrir o jornal e até uma publicação acadêmica nos dias de hoje.





o livro*: "Parceiro da exclusão", Mariana Fix

alguns comentários*:
1) também é um tanto perturabador saber que têm coisas na nossa vida que estão mais que certas e não tem como você agir contra... feliz ou infelizmente...
2) e das certezas da vida só restou a saudade esta semana. Seriam 22 anos de sinceridade, alegria e determinação. Só nos restam lembranças boas daquele grande amigo...
3) daqui as pessoas não conseguem nem mais fugir para outro lugar do mundo. Sem comentários sobre a festa na casa da mãe Joana, que está boa né?! E o tal do desenvolvimento que é bom...
4) das coisas boas, uma das que nos resta é o cinema: os 50 melhores de 2006 no Cinesesc
5) o cheiro de Páscoa vai bem, obrigada! Espero que por aí também!

vídeo*: [e por falar em chocolate, esperança e criança...] "As coisas nascem das coisas" de Bel Bechara e Sandro Serpa